Henrique Kestering – Sua trajetória e seu legado

Crédito: Acervo da família
Crédito: Acervo da família
Crédito: Acervo da família

 

No dia 10 de outubro de 2022, pelas 9h30, na localidade de Volta Grande, município de Mirim Doce, foi oficiado o sepultamento do querido tio Henrique, irmão do meu pai. O pai dele, nono Carlos tinha por sobrenome Kestring, como também todos os seus irmãos. Aconteceu que, talvez por erro de cartório, o falecido tio ganhou o sobrenome Kestering, aliás, constante também de outras famílias do mesmo clã.

Aos 87 anos de idade, no Hospital Bom Jesus, de Ituporanga, após dias de muito sofrimento, causado por diversas complicações de saúde, principalmente do coração, na madrugada de domingo, 09 de outubro de 2022, ele partira desse mundo para a casa do Pai.

No último período da sua vida, viúvo e residindo na cidade de Imbuia, foi cuidado pela comunidade paroquial Santo Antônio de Pádua, de Imbuia, SC. Tendo à frente o pároco Pe. Júlio Cesar Hames e o Diácono Permanente Valdir Alves, nada faltou ao idoso e enfermo tio. A família Kestring, Clara, irmã, os sobrinhos, conterrâneos da Volta Grande e amigos guardam imensa gratidão por tanto cuidado e amor dispensados por aquela inesquecível comunidade paroquial ao querido tio.

Era dia chuvoso. A Capela Santo Antônio, de Volta Grande, no entanto lotou de familiares e amigos do extinto. De imbuia também não faltaram à celebração eucarística o pároco, Pe. Júlio, o diácono e diversos amigos. Pois lá, com sua paixão pelo estudo da Bíblia, partilhado com muitos interessados, granjeara inúmeros e verdadeiros amigos.

Causou alegre surpresa a presença do bispo diocesano de Rio do Sul, à qual pertencem a Comunidade Santo Antônio de Pádua e a respectiva Paróquia São Miguel Arcanjo, sediada na localidade de Alto Paleta, no mesmo município de Mirim Doce. Tio Rique, como o chamávamos, contou, então, com a presença do seu bispo, seu pastor, Dom Onécimo Alberton, na sua missa exequial.

Caberia, por protocolo litúrgico, ao bispo a presidência da mesma celebração. Ao invés, ele, gentilmente, delegou-me a presidência, como sobrinho do falecido que sou.

No início da santa missa, Dom Onécimo fez questão de acolher a todos os presentes, dizendo da sua efetiva solidariedade à família e aos amigos, enlutados pela morte do seu animador bíblico de comunidade. Fez questão de declarar que, nos contatos tidos com o tio, sempre se sentiu respeitado, acolhido e escutado. Causava comoção essa observação porque, no ímpeto de revigorar as estruturas da Igreja, por vezes o ex-padre Henrique não poupava os bispos de advertências e ideias novas. Aliás, sobre suas intenções reformadoras, deixou escrito um livro e encarregados de publicá-lo, não esquecendo dos custos que, generosos, deixou providenciados. Pediu também que o bispo verificasse se havia necessidade de corrigir algo que fosse desaprovado. Verdade é que também os bispos procuram caminhos e instrumentos de renovação eclesial. Ultimamente, por exemplo, redescobre-se a sinodalidade como característica indispensável da barca de Pedro. Isso significa resgatar a concepção da Igreja como povo de Deus, animada por ministérios diversificados, sob o carisma do ministério petrino, segurança de fidelidade ao depósito da fé e de unidade.

Em sua fala inicial, o bispo referiu-se também à vida cristã e apostólica, evidenciada com coragem e perseverança na trajetória do tio. Dispensado do ministério sacerdotal, ele contraiu núpcias com Terezinha Wesley, vivendo o compromisso matrimonial, na fidelidade e no amor, por mais de vinte anos. Não se afastou, todavia, das atividades evangelizadoras. Dedicou-se ao estudo bíblico, aprofundando seus conhecimentos, inclusive reaprendendo as línguas antigas pelas quais o livro santo foi escrito. E não ficava somente para si essa verdadeira e apaixonada pesquisa. Reunia grupos, estabelecia roteiros de aula sob diversos aspectos do abrangente tema, elaborava recursos didáticos apropriados, no intuito de enriquecer seus alunos da Palavra de Deus. Recordo que, no dia do sepultamento da sua esposa Terezinha, celebrado, seis anos atrás, na mesma comunidade mirimdocense, quase ao final da cerimônia, ele se manifestava ansioso porque, à noite, tinha agendado o seu estudo bíblico em Imbuia. Noutra ocasião, meu pai, minha mãe e eu fomos visita-lo e, com a anuência do pároco, havíamos marcado, para toda comunidade, a santa missa dominical, que seria por mim presidida. Pouco antes da celebração, o inesquecível tio achegou-se a mim e me disse: “Mas a homilia, farei eu”. Assim ocorreu: munido dos seus esquemas manuscritos, um tanto envelhecidos, apoiados em rústicos cavaletes, e já com algum rasgo consertado com adesivos, por bons quarenta minutos, ele passou à comunidade reunida a lição do dia.

Ao final da santa missa exequial, sugeriu-se executar o canto “Num lindo vale verde”, ensinado à família pelo saudoso tio e tido como espécie de hino familiar. Um grupo de familiares e amigos, postados ao lado do caixão, sem se deixarem vencer pela emoção entoaram a canção. A letra desse canto exalta o amor a Deus que nossas mães nos ensinam e o amor ao trabalho, ensinado pelos pais. O “nosso lar”, como diz a letra, é recordado como um lugar bem situado, aquecido de amor e deixando saudades pela vida afora. Com certeza, naquele momento, simbolizava a morada eterna, aquela preparada por Jesus para todos os que iluminassem a sua vida com a luz da fé.

Gosto de lembrar de uma definição do paraíso que encontrei nos escritos da italiana Chiara Lubich, fundadora do Movimento dos Focolares , falecida em 2008. “O paraíso – escreveu ela – é uma casa que se constrói aqui, na terra, para habitá-la depois, na eternidade”.

Seria flagrante omissão se, nesse “tributo póstumo” não me referisse à grande consideração da família, demonstrada pelo tio Kestering. Em torno de uns vinte anos atrás, ele animou encontros nacionais da Família Kestring/Kestering. Exercia, então, o cargo de presidente da diretoria central do clã. Como era seu costume, quando assumia uma responsabilidade, assumia com quase exagerada dedicação. Um dos projetos que empreendeu foi a respectiva árvore genealógica. Mais de cinco mil integrantes foram cadastrados nessa pesquisa. O tio, com a esposa Terezinha, com o seu veículo goll, percorreu mil e uma localidades, em busca de preencher os dados do dito cadastro. Em torno de dez encontros estaduais e nacionais foram organizados em Santa Catarina, no Paraná, em São Paulo. Num ou noutro desses eventos compareceram familiares da Argentina, do Paraguai e da Alemanha. Nem se pode imaginar os obstáculos que se deviam superar para que todas as demandas de um evento desse tipo fossem desempenhadas satisfatoriamente. Elaborou-se o hino da família, procurou-se o brasão, iniciou-se pequeno jornal bimestral, buscou-se fragmentos da história da família desde o século 13. Viu-se, por exemplo, que naqueles longevos tempos, o sobrenome Kestring ou Kestering, na verdade trata-se do mesmo clã, surgiu do idioma alemão arcaico: “käst” se traduziria por castelo; e o sufixo “ing” seria indicativo de moradia. Dessa forma, Kestring ou Kestering, etimologicamente, significaria morador do castelo.

Sob a animação do incansável presidente, tudo ia em frente. Infelizmente, penso que a extensão do projeto e poucas lideranças disponíveis para o ingente trabalho, fizeram com que a caminhada parasse. Restaram, no entanto, a longa árvore genealógica publicada na internet, a história e documentos resgatados. Naturalmente, o mais importante: o testemunho de amor à instituição familiar, animado pelo falecido tio Henrique Kestering e seguido por centenas de Kestring e Kestering, espalhados pelo mundo todo.

O hino da família Kestring/Kestering exalta as “sementes de amor” que Deus plantou nesse mundo, entre as quais se destaca exatamente a família. Semente plantada, germinando e gerando frutos de paz, justiça, fraternidade, e depois espalhada por todos os lugares.

Pe. Raul Kestring – Blumenau, 21 de outubro de 2022

Leia também:

https://diocesedeblumenau.org.br/padreraul/uma-missa-em-imbuia-com-inesquecivel-festa-de-aniversario-da-tia-terezinha/

 

 

Leia também...