Conheci Pe. Pedro Adolino Martendal em 1973, quando cheguei a Florianópolis para o início dos estudos teológicos no recém-fundado Instituto de Teologia de Santa Catarina – ITESC. Não estava pronta a residência, no bairro Pantanal, Florianópolis, para a primeira turma que faria esses estudos em Florianópolis. Nós, então, nos hospedamos em casas paroquiais da cidade. Como organista, fui solicitado para a Catedral de Nossa Senhora do Desterro e Santa Catarina de Alexandria, no centro da cidade, pois as celebrações, ali, careciam desse serviço musical. Foi ali que encontrei Pe. Martendal, vigário paroquial da mesma Paróquia. Percebi logo como era um sacerdote solícito e procurado para retiros, orientação espiritual, encontros, decorrentes do exercício do ministério presbiteral. Sobretudo muitos jovens vinham beber da sua profunda, vivida, espiritualidade. Não era tão raro ouvir das pessoas dizendo: “Pe. Pedro é um santo”.
Pessoalmente, sentia seu coração acolhedor, cheio de simplicidade e piedade. Diversas vezes, ouvi ele me chamar de Arcanjo Gabriel. Não entendia muito bem porque ele me qualificava dessa forma. No fundo, porém, ficava contente com a evangélica referência que me animava ainda mais a servir a liturgia da forma mais disponível diante das necessidades, pois aos finais de semana, sábado e domingo, por exemplo, era preciso estar disponível para as quatro missas costumeiras. Outro momento, para mim, inesquecível, daqueles tempos, foi a ocasião em que, após conversa pessoal no seu escritório, Pe. Martendal, pediu-me para ouvir uma canção. Prontamente, disse sim. E ele mesmo começou a cantar, afinado e calmo, a canção franciscana “Doce é sentir em meu coração”. Depois, descobri que se tratava de hino muito valorizado nas Mariápolis, encontro anual do Movimento dos Focolares. A sua fundadora, Chiara Lubich fora da Ordem Terceira Franciscana e inspirou muito da sua nova e atual espiritualidade na vida e ensinamentos do grande santo Francisco de Assis e sua companheira, outra grande santa, Clara de Assis.
Pouco tempo depois, em 1975, com um grupo de jovens de Florianópolis e com Pe. Pedro, participamos do Congresso Focolarino em Aparecida, no imenso salão de encontros, no subsolo do Santuário. Impressionou-me muito esse evento, pois apesar de ali estarem reunidos em torno de quatro mil pessoas, entre elas, crianças, adolescentes, jovens, casais, padres, religiosas, seminaristas, bispos, pastores de outras Igrejas. E, mesmo nessa verdadeira multidão e de tanta diversidade, reinava naquele ambiente uma tal harmonia que me fazia experimentar a harmonia celeste. Não havia fixação teológica apenas vertical, numa perspectiva desencarnada, alienada dos problemas e desafios terrenos. Ouvia-se também testemunhos de ação voltados para favelas, moradores de rua, agricultores e agricultoras. Eram tempos de fortes tendências teológica e pastoral inspiradas na corrente libertadora. Tempos de polarizações. No entanto, na Mariápolis, brilhava a vida, o amor concreto, até mesmo envolvendo as pessoas ali presentes e participantes. Essa, luz via-se refletida na vida quotidiana do vigário paroquial da Catedral Metropolitana.
Quando ficou pronta a construção do edifício Convívio Emaús, no Pantanal, a turma de estudantes de teologia, nos transferimos para a nova casa. Mas o trabalho nas paróquias que nos haviam acolhido continuava. Assim, normalmente nos finais de semana, convivia com Pe. Martendal e com outros dois padres, para ali designados, e mais as atenciosas cozinheira da casa paroquial e a zeladora da igreja. Clima de família marcava a nossa convivência. Pe. Pedro, também admirado também pelos seminaristas, era frequentemente solicitado para animar nossas manhãs de espiritualidade no seminário.
Mesmo depois da minha ordenação sacerdotal, encontrava-me com Pe. Martendal quando faz[íamos o encontro dos padres aderentes à Obra de Maria, outra denominação oficial do Movimento dos Focolares. Eu percorria mais de duzentos quilômetros para ter a graça de colocar em comum experiências pastorais, a vida da Palavra, o amor recíproco. Aprendia-se muito uns dos outros, nesse empenho de construirmos fraternidade entre nós, verdadeira conversão que os sacerdotes precisam buscar, justamente para animar à conversão os seus paroquianos.
Num desses encontros, Pe. Pedro precisava visitar uma família no bairro Trindade. Fui com ele. Chamamos no interfone da casa e ninguém atendeu. Não era aquele endereço. Enquanto nos retirávamos, observou, Pe. Pedro: “Deus sabe porque viemos aqui”. Entendi como ele vivia sobrenaturalmente. De fato, Deus sabe de todos os nossos passos. Até daqueles que não acertamos bem o destino.
Noutra ocasião, participávamos da Mariápolis na Ilha de Florianópolis. Naqueles dias, em Blumenau, meu pai, aos 92 anos, gravemente enfermo, parecia dar sinais da proximidade da sua partida. Meus irmãos me comunicaram que ele só dormia. Isso, por alguns dias. Fiquei preocupado e dirigi-me ao Pe. Martendal choramingando pela provável proximidade da morte do meu pai. Pe. Pedro só me disse: “O paraíso é logo ali”. Essa verdadeira profissão de fé tão imediata, e tão simples, ao mesmo tempo, recolocou-me na confiança e na paz, continuando a me fazer presente às atividades do encontro.
Tendo sido informado da morte do querido e edificante colega, não tive dúvidas: apesar do dia chuvoso, viajei para participar da sua missa de exéquias na Igreja Matriz São João Evangelista, em Biguaçú, na tarde de 13 de novembro de 2023. Sentia-me no dever de, dessa forma, dizer-lhe obrigado por ter feito parte da minha história de vida. Mais do que isso: verdadeiro pai e mestre da vida do Evangelho. Aquela Igreja Mariz estava lotada de familiares do falecido sacerdote, amigos, paroquianos. Grande número de sacerdotes. Dom Wilson Tadeu Jönk, arcebispo metropolitano de Florianópolis, presidia o ato religioso. Como eu, certamente, todos tinham no coração o sincero e comovente obrigado e o pedido: “Pe. Pedro Adolino Martendal, descansa na glória do céu e intercede por nós, ainda na terra dos degredados filhos e filhas de Eva”!
Pe. Raul Kestring – Blumenau, 16 de novembro de 2023.