Logo após a tragedia ambiental de novembro de 2008 na região de Blumenau e em quase todo o Vale do Itajaí, houve grande mobilização do estado, dos municípios, Igrejas, Clubes, Associações, Empresas, para socorrer os atingidos. Salões paroquiais, templos, capelas, tornaram-se locais de acolhida dos flagelados. Muitos haviam perdido tudo, até as suas casas, os deslizamentos levaram. No município de Gaspar, na localidade de Ribeirão do Ouro, o salão de encontros e promoções, ao lado da Capela São José, desapareceu completamente, sem deixar vestígio, soterrado pelo grande volume de água e a arrasadora força do deslizamento de terra. Naquela verdadeira catástrofe, cento e trinta e cinco pessoas perderam a vida. O ambiente era de desolação por todo lado.
Dom Angélico Sândalo Bernardino era, então, o bispo diocesano de Blumenau. Também ele, pessoalmente, saía ao encontro dos atingidos por todo lugar. Ativou a Cáritas Diocesana colocando-a como referência de atendimento às necessidades básicas das pessoas sinistradas. Desde roupas, colchões, até utensílios domésticos, comida, material de limpeza, fogões, geladeiras, milhares desses materiais foram doados com os recursos monetários que chegavam de todo o Brasil e do Exterior.
Nesse clima desolador, Dom Angélico convocou todos os padres da Diocese para reunião no salão paroquial da Paróquia Santa Isabel, no bairro Progresso, Blumenau. Inclusive, aquela construção, as águas haviam danificado seriamente. A grande sala de encontros, no entanto, apresentava-se segura para a reunião.
Houve a acolhida dos sacerdotes e oração inicial, como se costuma fazer nesses eventos. Em seguida, passou-se a relatar a situação de cada paróquia. O então pároco de Santa Terezinha, Timbó, Pe. Carlos Humberto Carneiro de Camargo, popular Pe. Carlão, informou o desaparecimento total da Capela São Paulo Apóstolo e do anexo salão comunitário, na localidade de Rio Fortuna, soterrados pelo grande deslizamento de terra.
O bispo ouviu todos e tudo atentamente. Comovido com os relatos, não teve palavras para dizer. Serenamente, tomou uma flor do pequeno vaso sobre a mesa, onde estava também exposta uma imagem de Nossa Senhora Aparecida. A flor era um bonito hibisco, com verdes folhas unidas ao pequeno caule. Mais do que palavras, aquela maravilhosa obra do Criador comunicava que o amor de Deus não diminuíra e não se afastara dos seus filhos e filhas, embora padecessem aquelas perdas e dores. Como sobre a cruz, o Filho Amado, ainda que, em sua abissal dor, expressasse o abandono do Pai, na verdade, o Pai nunca o abandonara e jamais o abandonaria. “Eu e o Pai somos um” (Jo 10,30), afirmara o próprio Jesus. E sua palavra é eterna. É fiel. Assim também, as quase insuportáveis dores dos atingidos pela catástrofe, por mais dramáticas e sofridas que tenham sido, não anulavam o consolo divino. Providencialmente, o lema episcopal de Dom Bernardino afirmava: “Deus é amor” (1Jo 4,8).
Aquele hibisco, então, resumia a mensagem de esperança e porque não dizer, de alegria naquele momento. Lembrava a ressurreição. E havia muita ressurreição no verdadeiro tsunami de solidariedade que inundou toda a região. Gosto de rezar e meditar a afirmação do apóstolo João: “Nós sabemos que passamos da morte para a vida, porque amamos os irmãos” (1Jo 3,14). O triste fenômeno natural mexeu com grande número do pessoas, líderes, governantes, agentes pastorais, para a urgência de cuidado da criação. A crise climática pode ser minorada, talvez até resolvida, com plantação de árvores, proteção das nascentes, manuseio correto do lixo, agroindústria sustentável. Cidades, nações, sustentáveis, poderiam ser a ressurreição da natureza, das águas, do ar, do clima, das florestas. É a Palavra do Senhor que fala do sofrimento da natureza (Cf. Rm 8,19-23). Ela sofre, mas necessita da ação responsável do ser humano para ressurgir.
O hibisco, com sua viva cor avermelhada, de caule e folhas verdes, na mão de Dom Angélico, mesmo em meio à desolação, pode ser visto como anúncio da ressurreição. Assim se apresentam todas as flores, desde a menor delas até as maiores.
Mas o hibisco tem algo diferente. Fotografado por mim na mão de Dom Bernardino naquela circunstância, depois de 17 anos, aquela mesma imagem serviu de anúncio da ressurreição do amado Pastor. O card que noticiava a sua morte continha nas suas ungidas mãos o hibisco profetizando a ressurreição.
Para mim, essa linda flor, agora, tem uma santa conexão. Lembra Dom Angélico ressuscitado na Casa do Pai. Pode ser assim também para você, discípula, discípulo do Senhor da vida, o Ressuscitado.
Pe. Raul Kestring – Blumenau, 03 de junho de 2025