Lembrei-me da minha ordenação diaconal, ocorrida há quase 48 anos – Pe. Raul Kestring

Crédito: Facebook Blog do Jaime
Crédito da imagem: Jaime Batista da Silva
Crédito da imagem: Jaime Batista da Silva

 

No dia 31 de agosto de 2024, sábado, na Catedral São Paulo Apóstolo, em Blumenau, SC, o seminarista Djonatam Francisco Rubik foi ordenado diácono, em sua caminhada rumo, em breve, ao sacerdócio. A celebração eucarística, presidida por Dom Rafael Biernaski, bispo diocesano de Blumenau, conferiu a Djonatam o ministério ordenado. Toda a celebração foi impecável, favorecendo verdadeiro clima de encontro com o triúno Deus, autor da vida e de todos os dons. Logo após a acolhida litúrgica do quase-diácono, seu pronunciado “presente”, testemunho de que o candidato era digno de receber a ordenação, Dom Rafael o declara “escolhido” para ser ordenado diácono. Em seguida, Djonatam vai ao encontro do seu bispo e recebe o abraço da alegria e da paz, enquanto a grande assembleia reunida na Catedral faz ecoar vibrante salva-de-palmas. O seminarista escolhido senta-se na cadeira colocada ao meio do corredor central, próximo à escadaria do presbitério e o bispo inicia a homilia.

Crédito: Facebook Blog do Jaime
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Dom Rafael deteve-se boa parte da sua reflexão a contemplar a trajetória de vida e vocação do Djonatam. Não lhe poupou os momentos de busca, nos quais a incerteza, experiências paralelas, a qualificação acadêmica na área de engenharia química, até chegar a hora da decisão de entrar para a formação teológica com vistas ao sacerdócio. Impressionava a precisão de memória do bispo ao referir-se a datas e citações bíblicas. Comentou muito ricamente o lema de ordenação diaconal escolhido pelo próprio Rubik: “O Senhor precisa dele” (Lc 19,34). Prestes a entrar em Jerusalém, Jesus enviou dois dos seus discípulos para buscar um jumentinho amarrado. “Quando desamarravam o jumentinho, os seus donos perguntaram: “Porque estais desamarrando o jumentinho?” (v. 33) Os discípulos responderam como o Senhor lhes havia mandado: “O Senhor precisa dele”. “E o levaram a Jesus”. (v. 34) O que tem a ver essa frase “O Senhor precisa dele” com a vida do diácono?

O bispo, explicando essa citação bíblica, lembra o Profeta Zacarias que se refere também ao jumento: “Dança, filha de Sião, o teu rei está chegando, vem montado num jumento, num burrico, filho de jumenta” (Zc 9,9). O escritor sagrado, no século V antes de Cristo, sabia muito bem da diferença dos fortes e bem preparados cavalos de guerra e um inofensivo jumentinho. Neste Jesus montou para entrar em Jerusalém, não para causar medo ao povo, mas para expressar a sua mansidão e seu anseio de paz. Tanto assim que todos estendiam seus mantos e ramos de oliveira para dar as boas-vindas Àquele “que vinha em nome do Senhor” (Mc 11,9).

Deduz-se dessas passagens bíblicas que o ordenado levará a paz, a alegria, humildade, a esperança, fundamentos do Reino de Deus no mundo. Como Jesus, vem para servir e não para ser servido. Entrega seu corpo e sua alma para que neles a glória de Deus resplandeça. Humilde e manso, será exemplo de encarnação do Servo Sofredor de Isaías, pois será consciente dos seus pecados e pronto a assumir e perdoar os pecados da humanidade.

O bispo terminou a sua reflexão orando para que Djonatan se desamarre cada vez mais para amar e servir os irmãos e irmãs. E que todos nós nos deixemos desamarrar de nossos medos, dúvidas, timidez, preconceitos, tentações, apegos, egoísmos, para vivermos sob a luz do Espírito Santo que renova todas as coisas.

Presente à inesquecível ordenação Jonatan, reportei-me à minha ordenação diaconal, ocorrida em 08 de dezembro de 1975, na Igreja Matriz Cristo Rei, cidade de Taió, SC. O ordenante era o bispo da então minha diocese de Rio do Sul, Dom Tito Buss (in memoriam). Fui dispensado do retiro canônico com a justificativa de participar um tanto assiduamente dos encontros formativos disponibilizados pelo Movimento dos Focolares. Tínhamos um grupo de cultivo dessa espiritualidade no seminário de teologia, em Florianópolis. Lembro-me bem de outros três colegas que comigo faziam parte do grupo e que se tornaram sacerdotes e um tornou-se bispo: Lúcio Espíndola dos Santos, Celestino Munaro e João Francisco Salm (hoje bispo da Diocese de Novo Hamburgo, RS). Tínhamos até nossas pequenas economias em comum, como empenho de seguir a generosidade e a fé dos primeiros cristãos.
Não foi fácil deixar a Catedral de Florianópolis, onde exercia serviços ligados à liturgia porque ali atuava somente nos finais de semana. Diz que a falta de leitores, comentaristas, cantores, músicos, é mais ou menos a realidade das catedrais. Por isso fui designado a colaborar onde fosse necessário, dedicando-me mais como organista nas missas e no Coral Santa Cecília, da mesma comunidade. Exerci, inclusive, o cargo de presidente da referida associação coral naquela época. Assim, até o domingo anterior à ordenação diaconal, tinha compromissos lá.

Crédito: Acervo Diocese de Blumenau
Crédito: Acervo Diocese de Blumenau

Mas, à hora marcada, estava em Taió, pronto para cerimônia, juntamente com outros dois colegas de diocese: Alírio Vicenzi (falecido em 19 de março de 2021) e José Francisco Krug (falecido em 31 de janeiro de 2005). Na semana posterior à ordenação, retornei a Florianópolis, onde me esperavam os padres da Catedral Metropolitana, principalmente Pe. Ney Brasil, regente do coral.

Meus colegas neo-diáconos, José e Alírio, logo em seguida, agendaram a ordenação sacerdotal para o dia 02 de fevereiro do ano seguinte, 1976. Quanto a mim, aconselhado pelo meu saudoso pároco, na Paróquia São Miguel Arcanjo, Barra da Paleta, município de Mirim Doce, SC, Pe. Francisco Buchstegge (in memoriam), pedi a Dom Tito para, antes da ordenação presbiteral, completar o quarto ano de Teologia. Pois, dizia-me Pe. Buscstegge, com a ordenação antecipada, geralmente, o curso de Teologia fica inconcluso por causa dos trabalhos pastorais que absorvem o novo padre. Dom Tito não gostou muito da minha proposta, mas concordou comigo. Pude, assim, completar o quarto ano de estudo, fazer o TCC (trabalho de conclusão do curso) e receber o diploma de bacharel em Teologia.

A respeito da frase bíblica, inspiradora do meu serviço diaconal, naqueles tempos, isso era pensado mais para a ordenação sacerdotal. No entanto, já tinha dentro de mim essa escolha. O carisma do Movimento dos Focolares compreende-se como carisma da unidade. De fato, pessoalmente, havia assimilado bastante essa perspectiva evangelizadora. Participei da primeira Mariápolis, congresso anual dos integrantes e participantes do Movimento, justamente em Aparecida, no ano de 1975, à idade dos meus 25 anos. Naquele sempre lembrado e, acredito, providencial encontro, foi apresentado o forte empenho ecumênico dos focolarinos e focolarinos, com sã denominados os membros mais empenhados.

Eu sabia dessa importante dimensão ecumênica a partir das aulas de ecumenismo e dos documentos do Concilio Vaticano II no seminpário. Naquela tarde, porém, vi um ecumenismo vivenciado entre diversas Igrejas: Ortodoxa, Católica, Luterana, Anglicana e outras. Vi encontros do Papa João XXIII e Paulo VI (este era o Papa daqueles anos). E eram vídeos apresentados muito vivamente, uma novidade naquela época. Pensei comigo: essa será a minha vida de diácono e futuramente como sacerdote: dar a minha vida pela unidade entre as Igrejas, comunidades, famílias, grupos pastorais. Meu trabalho de conclusão do curso de Teologia tratou exatamente desse assunto. Para o sacerdócio, enfim, escolhi, da oração sacerdotal de Jesus conforme João, capítulo17, versículo 21 : “Que todos sejam um – em latim, ut unum sint, que preenchia perfeitamente a regra de um lema, três palavras. O lema dos beneditinos, por exemplo, é “ora et labora” (reza e trabalha); dos jesuítas, ad maiorem dei gloriam” (para a maior glória de Deus).
Não reduzia essa busca de construir ou reconstruir a unidade, todavia, à hierarquia.

Crédito: Acervo da Diocese de Blumenau
Crédito: Acervo da Diocese de Blumenau

Entendi que outra palavra de Jesus complementava minha descoberta: “Onde dois ou mais se reúnem em meu nome eu estou no meio deles” (Mt 18,20). Vi que, nessa surpreendente afirmação da sua presença ressuscitada, não tinha restrição de denominação religiosa alguma. Bastava as pessoas declararem-se unidas no nome de Jesus e colocarem-se sob essa luz em suas palavras e atitudes. Ficou-me bastante claro que esse era o modo privilegiado de (re)construir unidade, essência de Deus, em qualquer lugar e com qualquer pessoa aberta à vontade de Deus revelada em Jesus. E seria o próprio Senhor a edificar o seu Reino de unidade, paz, esperança, salvação. Pude, então, sonhar e sonho ainda hoje que a unidade é possível com qualquer pessoa, grupo, credo, comunidade. Pois eu devo fazer a minha pequena parte, isto é, estar na caridade, e Jesus faria todo o resto.

Claro, à medida que a gente mergulha nos desafios dessa tarefa, aparece a sua complexidade. São muitas as resistências, os condicionamentos, os obstáculos a esse plano divino. Mas saber e ter iniciante experiência da graça de Deus em ação e uma forma de a tornar atuante, fortalece a fé, motiva a paciência e sempre impele a recomeçar.

Uma pequena experiência minha: atualmente, nos finais de semana, ajudo o Pe. Fernando Steffens, pároco da Paróquia Nossa Senhora Imaculada Conceição, em Rio dos Cedros, SC. Frequentemente, nos declaramos trabalhar juntos, unidos, confiando na presença de Jesus ente nós e com os paroquianos. Dessa forma, percebemos que, de uma realidade um tanto confusa e desanimadora pela qual passava a paróquia, depois de quatro anos dessa nossa evangélica atitude evangelizadora, existe novo ânimo e alegria naquelas comunidades. Promoções e festas levam as pessoas a dizerem: estamos voltando aos bons tempos de muita participação na vida da paróquia. Lembrar dos bons tempos parece ser uma referência, inclusive da história da salvação, onde, no passado, transparece a ação de Deus no seu povo e a resposta generosa dos fiéis aos apelos divinos. Parece ser inerente ao ser humano reconhecer as coisas boas do passado, também quanto à religião.

“O Senhor precisa dele” (Lc 19,34)! O Senhor precisa de todos nós para “que todos sejam um” (Jo 17,21)!

Pe. Raul Kestring – Blumenau, 02 de setembro de 2024

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