A minha alma estava impaciente por aprender aquilo que é o princípio e a essência da filosofia. […] A inteligência das coisas incorpóreas cativava-me inteiramente; a contemplação das ideias dava asas ao meu pensamento. Imaginei-me sábio em pouco tempo e até fui suficientemente tolo para esperar ver a Deus de imediato, pois tal é o objectivo da filosofia de Platão. Nesse estado de espírito, […] dirigi-me a um sítio isolado junto ao mar, onde esperava ficar só, quando um velhinho começou a seguir-me. […]
“O que te trouxe aqui?”- perguntou-me.
“Gosto deste gênero de caminhadas […], são muito favoráveis à meditação filosófica.” […]
“A filosofia traz, portanto, a felicidade?” – quis ele saber.
“Certamente” – respondi -, “e apenas ela.” […]
“Então a que é que tu chamas Deus?”
“Deus é Aquele que é sempre idêntico a Si próprio e dá o ser a todo o resto.
“E como é que os filósofos podem ter uma ideia concreta de Deus, se não O conhecem, visto que nunca O viram, nem escutaram?”
“Mas” – respondi -, “a divindade não é visível aos nossos olhos como o são os outros seres; não é acessível senão à inteligência, como diz Platão; e eu concordo com ele.” […]
“Houve, já há muito tempo” – disse o velho -, “homens anteriores a todos esses pretensos filósofos, homens felizes, justos e amigos de Deus. Falavam inspirados pelo Espírito de Deus e prediziam um futuro agora realizado: chamamos-lhes profetas. Só eles viram a verdade e a anunciaram aos homens. […] Os que os lêem podem, se tiverem fé neles, tirar grande proveito dessa leitura. […] Eles eram testemunhas fiéis da verdade. […] Glorificaram o criador do universo, Deus e Pai, e anunciaram Aquele que Ele enviou, Cristo, Seu Filho. […] E tu, antes de mais, reza para que as portas da luz te sejam abertas, pois ninguém pode ver nem entender, se Deus ou o Seu Cristo não lhe derem o dom de compreender. […]
Nunca mais o vi mas, subitamente, acendeu-se um fogo na minha alma; fiquei cheio de amor pelos profetas, por esses homens que são amigos de Cristo. Refletindo nas palavras do ancião, reconheci que essa era a única filosofia segura e proveitosa.
São Justino (c. 100-160), filósofo e mártir
Diálogo com Trifão, 2-4,7-8; PG 6, 478-482,491