A tarde do dia 24 de setembro de 2010, na comunidade São Sebastião, Alto Palmeiras, município de Rio dos Cedros/SC, estava com forte neblina, temperatura um tanto fria, ameaçando garoar e chover. Parecia a solidariedade do cosmos com aquela comunidade que vivia um dia triste: celebrava a exéquias do filho da terra, seminarista estudante de Filosofia, Edinei Gonçalves da Cruz. Em viagem para a Assembleia Regional de Pastoral do Regional Sul IV, em Lages/SC, foi vítima grave e fatal acidente automobilístico na BR 470, próximo a Pouso Redondo. Com ele viajavam também outros colegas e o então reitor do Seminário Filosófico de Santa Catarina – SEFISC, Pe. Adenir Ronchi. Edinei estava no banco de trás. Chovia naquele momento. O veículo de repente, aquaplanou e foi colidir com o tronco de um eucalipto, à margem esquerda da rodovia. Com o forte impacto, o Edinei veio a falecer, enquanto os outros passageiros, tiveram apenas leves ferimentos.
Ao Centro de Formação Diocesano, em Lages, bom grupo de agentes pastorais convocados à Assembleia Regional, havíamos chegado, inclusive alguns bispos, aguardando os demais participantes. A notícia do acidente chegou rápida e, com ela, a decisão do adiamento do encontro. No dia seguinte, muitos dos delegados à Assembleia dirigiram-se para a santa missa de exéquias do extinto jovem. Os bispos catarinenses, todos os dez, se fizeram presentes ao ato religioso, presidido pelo então bispo diocesano de Blumenau, Dom José Negri. Inequívoco testemunho de unidade episcopal/eclesial, de solidariedade ao seminarista falecido, seus familiares e à promissora Pastoral Vocacional.
Do que foi falado naquela missa, lembro-me e, com certeza, lembrar-me-ei sempre da mensagem de Dom Murilo Sebastião Ramos Krieger, então arcebispo metropolitano de Florianópolis e presidente do Regional Sul IV da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, que abrange todo o estado de Santa Catarina. Lembrava o arcebispo que, no céu, todos os nossos desejos serão realizados por Deus. Veio-me imediatamente à memória a estrofe de um hino próprio de exéquias: “Os teus anseios, as tuas saudades, tudo terás satisfeito no céu”. Continuou Dom Murilo explicando que o Edinei tinha o desejo de ser sacerdote; e caminhava decidido para essa meta da sua vida. Portanto, concluiu, o arcebispo, “este nosso irmão seminarista, o Edinei, no paraíso, é sacerdote”.
A afirmação de Dom Murilo, naquela hora, pareceu-me verdadeira revelação. Eu recitava sempre o Salmo 37, versículo 4: “Deleita-te também no Senhor, e te concederá os desejos do teu coração”. A referência a uma pessoa desejosa de ser sacerdote e que, para isso, normalmente, percorreria os passos recomendados pela Igreja e, agora, este seu desejo tenha sido realizado, em mim causou surpresa. Comecei a rezar aquele versículo do Salmo com uma compreensão nova.
Mas é cabível a pergunta: também os desejos piores do coração humano, serão realizados? Um exemplo: em Mateus, capítulo 20, versículos 20 e 21, lemos que a mãe de Tiago e João, pediu a Jesus: “Permite que, no teu Reino, estes meus dois filhos sentem um à tua direita e outro à tua esquerda”. Jesus lhe respondeu que conceder esses lugares não é da sua competência. Portanto, eis aí um tipo de desejo que não é realizável no paraíso. A esse respeito, oramos no Pai Nosso: “Seja feita a vossa vontade assim na terra como no céu”. É claro que um desejo, para ser realizado por Deus, deve estar de acordo com a sua vontade. Mesmo bons desejos, mas contrários ao plano de Deus, podem não ser atendidos pelo Pai do céu. Noutra passagem, na véspera da sua paixão e morte, Jesus pede ao Pai: “Se é possível afasta de mim este cálice”, acrescentando: “Mas não se faça a minha vontade e, sim, a tua”(Cf. Mt 26,39). Na verdade, em tese, o Pai poderia ter afastado o “cálice de Jesus”. Era, porém, plano seu a morte de Jesus na cruz como manifestação do seu infinito amor pela humanidade. Por outro lado, a expressão “se é possível”, expressa, já, uma disponibilidade do Filho em não ser atendido. O Pai não o escutou por que seu plano era outro. Assim, entendemos que o sofrimento e a morte do Senhor Jesus aconteceram por vontade de Deus.
Enfim, deduzimos que aquele menino do Alto Palmeiras, aos 20 anos, desejoso de ser padre, o Eterno Pai o fez padre no céu. Confirma essa certeza a voz da Igreja no seu qualificado servidor, o arcebispo dom Murilo.
Rezar, então, pelas vocações sacerdotais e religiosas, nunca deve ser algo duvidoso ou simplesmente sugestivo. Foi pedido do Senhor Jesus: “Pedi ao Senhor que envie operários à sua messe, pois a messe é grande e poucos são os operários” (Mt 9,37). Sacerdotes e religiosas, sim, peçamos todos os dias. São absolutamente necessários à Igreja, ao mundo. Mas o pedido de Jesus é por “trabalhadores da messe”, isto é, devemos orar confiantemente por pais, mães, filhos, catequistas, ministros, membros de conselhos pastorais e administrativos, músicos e cantores, professores, empresários e empregados, para que sejam, de fato, cada um no seu lugar, construtores da justiça e da paz do Reino de Deus.
Por graça e misericórdia de Deus, Padre Edinei Gonçalves da Cruz, de junto de Deus, dos anjos, de Maria e de todos os santos, intercede pelos teus conterrâneos do Alto Palmeiras, de Rio dos Cedros, pela Igreja em Santa Catarina e em todo o mundo!
Pe. Raul Kestring – Blumenau, 02 de novembro de 2024 – Dia da Comemoração dos Fiéis Defuntos.
Mais imagens das exéquias do Edinei: