É tempo de recordar, reviver e agradecer

No ensejo do 80º aniversário de minha mãe, Clarinda, apraz-me evocar a robustez espiritual dela e de meu pai. E, evidentemente, a mesma robustez que, por bendita osmose, passou e está passando para toda a família.

Muito cedo, na primeira infância, vi meu pai como rezador da Comunidade de Volta Grande. Não havia ainda igreja naquela localidade. A capela mais próxima ficava a uns 5 ou 6 quilômetros, na localidade vizinha, em Pinhalzinho. Próximo à nossa casa, existia a escola, onde também minha mãe foi professora antes de se casar.

Na escola de Volta Grande, a comunidade reunia-se aos Domingos de tarde para a reza do terço e a ladainha de Nossa Senhora. Meu pai dirigia tudo de cor. Mesmo a longa ladainha, ele a recitava sem necessitar de livro.

Mas também em Pinhalzinho, ele animava as orações e os cantos. Privilegiado com uma voz potente e clara, desempenhava este encargo sempre a contento de todos.

O sepultamento de uma falecida tia dele, a tia Augusta, casada com um irmão de meu avô, o tio Martin, ficou-me gravado muito vivamente na memória. Embora minha idade fosse de  6 ou 7 anos, vejo ainda hoje aquela imensa procissão de pessoas acompanhando aquela cerimônia. Uma carroça puxada por cavalos transladava a defunta no caixão de madeira, fabricado pelos próprios moradores do lugar. Organizada em duas filas, uma de cada lado da estrada, prosseguia o grande cortejo. A voz de meu pai soava forte e só diminuía de audição nas curvas mais acentuadas do caminho. Em todo o trajeto se rezava e cantava.

Minha mãe sempre acompanhava meu pai nessas rezas. Os dois lembram frequentemente de uma ocasião em que houve trinta dias de missão na comunidade São João Batista, do Pinhalzinho. Entre os fervorosos participantes das palestras, orações e celebrações dos Sacramentos, estavam eles. Não faltaram um dia sequer. Chovia ou fizesse sol, atrelavam os cavalos à carroça, como faziam todas a famílias do lugar, acomodavam toda a família, e iam para a igreja.

Dessa forma, começando por mim, o mais velho, todos os filhos seguiram a orientação da Igreja quanto à introdução à vida sacramental. As crianças sempre recebiam catequese antes das celebrações. Mesmo aquelas que ainda não tinham idade suficiente para serem introduzidas na Primeira Eucaristia, participavam da “doutrina” com os irmãos mais velhos. Muitas vezes os pais e outras pessoas da comunidade participavam também. Havia boa catequese; e isso fazia bem a todos.

O grande destaque realmente ganhava a Primeira Eucaristia. Decorava-se as respostas do catecismo, explicadas uma a uma pela religiosa que orientava os encontros. Ao final da preparação chegava o dia do exame, sempre feito pelo padre. Às vezes o exame coincidia com a primeira confissão, muito temida porque passava-se a impressão de que o padre era rigoroso.

E o dia da Primeira Eucaristia era uma grande festa. A Igreja era enfeitada com folhas de palmito, taquara e flores. A roupa nova, coisa muito rara, porque a vida era modesta,  fazia parte da festa. Por isso também esse dia era marcante. Muitas crianças, então, calçavam o primeiro sapato da sua vida.

A cerimônia era muito bem ensaiada em todos os momentos da celebração. No momento de comungar, todos se ajoelhavam na mesa da comunhão, colocando as mãos debaixo da toalha branca  que pendia da comprida e estreita mesa. A “mesa da comunhão” era mais uma balaustrada que separava a nave principal da igreja do presbitério. Recebia-se a hóstia consagrada somente na boca.

Terminada a celebração, os neo-comungantes dirigiam-se, ainda em fila, dirigiam-se para o botequim. Ali, em mesas preparadas, alimentavam-se com café e cuca. Era a primeira refeição do dia. Pois mandava a orientação daqueles tempos que, para receber a santa comunhão, devia-se estar em jejum desde a meia-noite. Permitia-se somente a ingestão de água ou remédio. Essa exigência causava desmaios em algumas crianças e mesmo em pessoas adultas.

Tudo encerrava-se com as sessão de fotos. Vinha o fotógrafo  da cidade mais próxima e cada família fazia as fotos do seu pequeno ou da sua pequena neo-comungante. Aproveitava-se para fazer fotos de toda a família.

Todos os integrantes da nossa família, passamos por esta experiência em nossa. E éramos acompanhados muito de perto, com verdadeiro amor e fé pelo pai e pela mãe. 

Uma infância e uma adolescência vividas dessa forma, frequentando regularmente a Igreja e os sacramentos direcionou bastante a vida de todos nós. Não é demais ressaltar que, além do aprendizado na Igreja, tínhamos o incentivo e o exemplo dos pais em casa.

Acredito que nossa vida foi realmente nutrida por este alimento espiritual. Isso nos ajudou a todos, também o pai e a mãe, a superar as pequenas e grandes dificuldades, doenças, provações, que a vida nos apresentou. Com certeza, devamos admitir com humildade que também nossas fraquezas e limitações atraíram desconfortos. Mas também com esses deve-se contar, uma vez que ninguém é perfeito.

No entanto, é indiscutível que a Igreja e os sacramentos, a espiritualidade, a oração, marcaram nossa vida, nosso caráter, nossas escolhas. Que essa marca de fé acompanhe sempre a nossa caminhada. E que, como sucedeu ao povo escolhido, no Antigo Testamento, ela realmente termine na terra prometida, a vida eterna, o paraíso garantido por Jesus, sua paixão, morte e ressurreição. Que o amor misericordioso de Deus, enfim, nos acolha e nos plenifique com sua luz. Por esse mesmo amor misericordioso do Pai Eterno, confiamos que o Maximino, falecido no dia 23 de fevereiro deste ano de 2012, lá esteja, a nos esperar.

 

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