Dia de Finados lembrando torturados e desaparecidos políticos

Brasília, 15 de outubro de 2012

“A casa de meu Pai será a casa de oração para todos os povos” (Is 56.7)

Aos Regionais,

Queridos e queridas irmãos e irmãs de caminhada ecumênica,

Estamos nos aproximando do dia 2 de novembro, dia em que lembramos as pessoas que já não estão mais conosco. Este dia também é reservado para refletirmos sobre a vida e sobre as práticas e atitudes humanas contrárias à ela.

Neste 02 de novembro, o CONIC gostaria de propor uma celebração especial, que talvez, possa se tornar uma prática anual de homenagem à memória de todas as pessoas que morreram e das que morrem diariamente vítimas da violência. Gostaríamos de motivar a todos os regionais para realizarem atos ecumênicos em memória dos desaparecidos políticos da ditadura militar. Seus familiares, além de sofrerem a dor de uma morte nem sempre esclarecida tem um direito milenar violado, que é o de as pessoas e/ou comunidades darem um sepultamento digno a seus entes queridos e também de reverenciar a suas memórias ao visitar seus túmulos. Todos esses direitos foram negados pela ditadura.

Nesta celebração também queremos lembrar as vítimas de chacinas dos dias atuais.

Sabemos que diariamente pessoas desaparecem ou são assassinadas. São histórias interrompidas. Estas morte permanecem sem respostas, assim como as mortes dos desaparecidos políticos.

Importante dizer que esta iniciativa parte do grupo ecumênico de São Paulo e tem no companheiro e irmão de caminhada ecumênica Anivaldo Padilha um de seus idealizadores.

A celebração que disponibilizamos em anexo foi preparada pelo grupo de São Paulo, em especial por Luiz Carlos Ramos, Xico Esvael e Anivaldo Padilha. Será possível perceber que ela expressa algumas questões locais, que podem ser alteradas, conforme cada contexto, especialmente no que se refere aos cânticos e aos depoimentos, por exemplo.

Aos regionais que realizarem este ato, solicitamos que enviem fotografias, relatos para serem postados no site do CONIC. Assim será possível compartilhar as realidades em que o movimento ecumênico se expressa denunciando e fortalecendo a esperança.

 Com amizade fraterna,

Dom Manoel João Francisco
Presidente do CONIC

Sugestão de liturgia para os atos ecumênicos em memória dos mortos e desaparecidos. Esta é apenas uma sugestão de liturgia. Em cada evento, os organizadores devem se sentir livres para fazer alterações e adaptações ou mesmo criar sua própria liturgia de acordo com as condições e realidades locais.

CONIC

“Meus companheiros também vão voltar…”

 “Quero trazer à memória o que me pode dar esperança”

Lamentações de Jeremias, Cap. 3, vers. 21

“Oração não é pedir. É um anseio da alma.
É uma admissão diária das próprias fraquezas.
É melhor na oração ter um coração sem palavras
do que palavras sem um coração.”
(Mahatma Gandhi)

“Oração é a saudade transformada em poema.”
(Rubem Alves)

Este dia 2 de novembro, por causa da saudade, queremos nos reunir em oração, mesmo que para isso não tenhamos as palavras certas, nem as melhores. Dizem que quando a saudade se transforma em esperança, ela vira oração… Reunimos, portanto, o anseio da nossa alma na admissão humilde das nossas próprias fraquezas suspiradas em forma de oração/poema que inspire e provoque transformações no mundo.

Música instrumental. Sugestão: Sentinela.

A nossa saudade tem nome e sobrenome. Nós queremos recordar e homenagear as vítimas da ditadura militar brasileira. Em especial nos recordamos daqueles e daquelas que foram presos, torturados, assassinados e cujos corpos nunca foram entregues aos familiares para que tivessem sepultamento condigno.

– Música “Promessas do sol”.

Apresentamos em nossas preces, juntamente com os nomes dessas companheiras e companheiros, os nossos desejos para que iniciativas como a da Comissão da Verdade, da Comissão de Mortos e Desaparecidos e de todas as outras iniciativas  que ocorrem nas diversas regiões do Brasil nos permitam o acesso às informações que nos foram sonegadas nesses anos, bem como a justa responsabilização das pessoas que cometeram tão terríveis crimes contra a humanidade.

– Palavra de saudação dos organizadores

Depoimento falado: Recentemente, numa cerimônia pública realizada na cidade de São Paulo, foi pro­fe­ri­do o depoi­men­to de um companheiro que fora preso em 1970. Depois de tor­tu­rado bru­tal­mente, con­se­guiu final­mente par­tir para o exí­lio, onde foi for­çado a viver longe da esposa, que à época estava grá­vida. Ele só viria a conhe­cer o filho depois da lei da Anis­tia, quando este já tinha 8 anos de idade.

Depoimento falado: Outro depoimento, feito por uma companheira, relatou abu­sos sofri­dos nas mãos vio­len­tas dos tor­tu­ra­do­res e das ame­a­ças que faziam envol­vendo sua filha, que ainda era bebê na ocasião. O hor­ror era ainda maior por­que podiam ouvir das suas celas os gri­tos de outras pessoas, presos políticos como eles, sendo torturados nos porões do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS).

Con­ta­ram, então, que, jus­ta­mente nas horas mais difí­ceis, especialmente quando uma companheira ou companheiro era levado para interrogatório, alguém, em alguma cela, come­çava a can­tar :

– Todos cantam.

“Minha jan­gada vai sair pro mar / Vou tra­ba­lhar, meu bem que­rer,…”,

E, uma a uma, as vozes dos pri­si­o­nei­ros e pri­si­o­nei­ras das outras celas, iam se somando:

“… Se Deus qui­ser quando eu vol­tar / Do mar,
Um peixe bom, eu vou tra­zer…  / Meus com­pa­nhei­ros
Tam­bém vão vol­tar, / E a Deus do céu vamos agradecer!…”

Ainda hoje não se sabe o para­deiro de mui­tos dos que foram per­se­gui­dos, pre­sos, tor­tu­ra­dos e “desa­pa­re­ci­dos”. Há indícios de que alguns foram joga­dos no alto mar, outros incinerados em fornos de usinas de açúcar e ainda outros simplesmente enterrados anonimamente como indigentes em covas rasas em cemitérios de periferia.

Cerimônia do monumento aos desaparecidos com a música “Tempo maior esperança”.

A versão atualizada da tortura e do extermínio continua a afligir especialmente os mais fragilizados da nossa sociedade. O Brasil ainda ostenta recordes de assassinato de jovens e adolescentes que são sumariamente eliminados por hediondos esquadrões da morte, auto intitulados justiceiros. Quantas mães inconsoláveis choram seus filhos, sem saber do seu paradeiro, sem poder velar-lhes o corpo, sem poder lhes dar sepultura digna.

Depoimento (de uma mãe ou pai de vítimas de chacinas recentes) com as músicas “Angélica”, de Chico Buarque, e “Menino” de Milton Nascimento.

Graças à determinação e empenho daqueles e daquelas que, no passado recente, assumiram tamanho risco e enfrentaram valentemente o terror, a tortura e a morte, a ditadura chegou ao fim no Brasil. Hoje podemos vislumbrar um novo tempo de democracia, no qual os Direitos Humanos precisam ser reconquistados e respeitados.

Mas ainda há muito a fazer, pois não podemos descansar enquanto uma única mãe ou pai ou irmão ou irmã ou qualquer outro ente querido ou pessoa amiga derramar lágrimas porque os Direitos Humanos, de quem quer que seja, estejam sendo violados. Defender os Direitos Humanos é defender os nosso direito de viver em paz e justiça juntamente com aqueles e aquelas a quem amamos e a quem devemos respeitar.

– Música “Enquanto houver sol”.

Bus­camos não a vin­gança, que só res­sus­cita fan­tas­mas, mas a justa res­pon­sa­bi­li­za­ção dos que come­te­ram cri­mes con­tra os Direi­tos Huma­nos durante a dita­dura. Buscamos defen­der a Vida e para que coi­sas ter­rí­veis como aque­las nunca mais tor­nem a acon­te­cer nem a nós nem às nos­sas cri­an­ças e adolescentes.

É essa a jan­gada da vida na qual que­re­mos velejar!

  (Finaliza com a música “O sol”, de Anastácia. Enquanto se canta, um grupo de crianças podem levar e depositar flores nas covas rasas)

 Liturgia preparada por:
Luiz Carlos Ramos
Xico Esvael
Anivaldo Padilha

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