Esteve com os padres e bispo da Diocese de Blumenau, Dom Rafael Biernaski, nos dias 17, 18 e 19 de setembro de 2024, Frei João Fernandes Reinert, OFM, na Casa de Encontros Mãe de Jesus, no bairro Itoupava Central, Blumenau. Com verdadeira maestria e em sistema de seminário, Frei João abordou quatro documentos do Concílio Vaticano II: Lumen Gentium (Luz dos povos), Gaudium Spes (a Alegre Esperança), Sacrossantum Concilium (o Sagrado Concílio) e Dei Verbum (A Palavra de Deus).
Lumen Gentium (LG) trata da natureza da Igreja. Sobressai, nesse documento a Igreja como povo de Deus. Outras figuras aponta a LG para explicar o que é a Igreja, como rebanho, vinha, corpo de Cristo. A mais valorizada realmente é a Igreja como povo de Deus. Nessa alegoria, é contraposta a imagem piramidal para explicar a natureza da instituição fundada por Cristo. Nessa visão, o Papa está no cume da pirâmide. Depois, vem os bispos e os sacerdotes. Por fim os leigos, destinatários dos ensinamentos e decisões de cima. A Igreja como povo de Deus ressalta a igual dignidade de todos os seus membros, desde o Papa até o último fiel. Há distinção entre eles quanto aos serviços, ministérios, que exercem para com esse povo. Serviços, estes, que não são de honra ou de poder. A cena do lava-pés explicita muito bem essa característica: O Senhor e mestre lava os pós dos discípulos. Abaixa-se o Senhor para amar, consolar, curar, animar e encorajar. Assim devem ser os ministros da Igreja.
Na LG, destaca-se outra característica da Igreja: seus membros não são simples destinatários da evangelização, principal objetivo dos discípulos de Cristo. Sujeitos são eles, isso sim. Devem trabalhar em sinodalidade com os pastores, assumindo o compromisso batismal. No interior da Igreja ou no âmbito exterior devem testemunhar a fidelidade a Deus e à sua Palavra. Na fábrica, no parlamento, na escola, nos esportes, ali, onde os ministros ordenados não podem alcançar, os leigos são chamados a serem apóstolos do Evangelho. Não se menospreza a vivência consciente e ativa dentro das estruturas eclesiais. Uma comunidade unida na fé, na esperança e na caridade compete a eles gerar, fortalecer, consolidar.
A Gaudium et Spes (GS) trata da Igreja em seu relacionamento com o mundo. Uma comparação do Evangelho ilustra muito bem essa relação. É a figura do fermento. Sendo bom, ele faz levedar toda a massa. Ao mesmo tempo, desaparece, isto é, cumpre seu objetivo e torna-se ele também, massa. Assim também a Igreja no mundo. Em contato com a violência, as desigualdades, divisões, interesses pessoais, conflitos, guerras, injustiças, através dos batizados, inseridos nessa realidade, surge a transformação em sinais do Reino de Deus: a paz, a justiça, a esperança, o amor, a concórdia, o desenvolvimento e a fraternidade. Tudo isso, não por imposição ou violência, e sim pela luz do Evangelho a brilhar na vida e ação dos discípulos de Cristo. Ressalta-se, nesse empenho de mudança, a atitude dialogal. A famosa carta-encíclica do saudoso Papa Paulo VI, Ecclesiam Suam (A sua Igreja), de 06 de agosto de 1964, explica essa fundamental característica da Igreja. Dialogar tornou-se palavra de ordem até esse início do terceiro milênio. E será perene caminho da evangelização. A pedagogia da encarnação de Cristo sugere esse método evangelizador. Paulo, na sua Carta aos Romanos (5,6), afirma: “Ainda quando éramos pecadores, Cristo morreu por nós”. E o apóstolo João, com outras palavras, diz o mesmo: “Deus enviou seu Filho ao mundo não para condenar o mundo, mas para salvá-lo” (Jo 3,17).
O documento conciilar Sacrossatum Concilium – SC (o Sagrado Concilio) ocupa-se da liturgia. Exalta a participação ativa e
consciente dos atos litúrgicos. Para isso, pede que a missa e outros momentos celebrativos sejam realizados na língua vernácula, isso é, do povo que participa. Mas vai além. As celebrações devem ser inculturadas na realidade da assembleia celebrante. Símbolos, elementos da realidade local, carências, desafios, sejam incluídos nas ações litúrgicas. Talvez o que mais se destacou na SC foi o inalienável lugar da Palavra de Deus. A escuta da Palavra e a comunhão eucarística tornam-se os dois elementos essenciais do ato litúrgico católico/cristão. Recomendou-se o ambão como a mesa da Palavra, enquanto o altar permanece a mesa do pão, do sacrifício. Igreja da Palavra seja a Igreja de Jesus. Seja esta uma proposta de verdadeira conversão para as comunidades: Valorizar a Bíblia como palavra que, com o pão eucarístico, também alimenta a vida, a pessoa, a fé, a esperança e o amor. A música litúrgica, igualmente, mereceu lugar na SC. O órgão de tubos é recomendado como o instrumento de acompanhamento dos cantos na liturgia. Mas também outros instrumentos sejam adaptados para a piedade e a alegria das celebrações. A efetiva participação da assembleia é destacada como imprescindível. Os corais continuam sua presença nas liturgias, mas haja também participação do povo nos cantos. O espaço sagrado deve ser evangelizador, isto é, com os símbolos essenciais bem distribuídos, favorecendo a oração, o encontro com Deus.
Dei Verbum – DV (o Verbo de Deus) foi o quarto documento abordado pelo Frei João no encontro de atualização do clero de Blumenau. Uma novidade encontramos nesse documento: o aspecto científico-histórico da Sagrada Escritura. A importância do contexto histórico que determinou o texto bíblico. Em língua alemã, denominou-se essa perspectiva analítica como Sitz im Leben. Traduzida para o português quer dizer “contexto vital”. Em outras palavras, os desafios e a realidade concreta que fizeram surgir os diversos textos são importantes para compreendermos a Palavra de Deus nos dias de hoje. Quase sempre, a realidade daqueles tempos tem relação com as realidades atuais. E a explicação dos textos deve levar em conta o Sitz im Leben. Após o Concilio surgiram inúmeras traduções do texto sagrado, justamente para contemplar as novas orientações do estudo e da compreensão da Bíblia. Inclusive, versões populares, infantis, foram feitas com muitas adaptações dos textos originais. No Brasil, fixou-se setembro como o mês da Bíblia. Nele, a cada ano, sugere-se um livro bíblico para estudo e para a vivência das comunidades. Valorizou-se também a entronização solene do livro sagrado nas celebrações. Aliás, no início de cada uma das sessões do Concílio, não faltava essa significativa cerimônia para demonstrar a acolhida da Palavra.
Desse encontro de atualização do clero, dois outros elementos impõem-se que os destaquemos. Momentos orantes com a liturgia das horas, santa missa diária e bênção dos alimentos em cada refeição. Assim, o encontro não se reduzia a estudo, com certeza, necessários também. A convivência fraterna merece, igualmente, ser destacada. De certa forma, era essa a vivência do que se rezava e se estudava. Pois a verdadeira caridade torna-se luz para que se acolha a mensagem de Jesus, inclusive no seu aspecto intelectual.
Pe. Raul Kestring – Blumenau, 20 de setembro de 2024