Assim na terra como no céu

Esquife da minha irmã Mônica, na capela do crematório, em Curitiba, instantes antes de iniciar a cremação do restos mortais.
Esquife da minha irmã Mônica, na capela do crematório, em Curitiba, instantes antes de iniciar a cremação do restos mortais.

No dia 12 de janeiro, após prolongado e duro sofrimento, o câncer levou minha irmã Mônica para  a eternidade. Não há como viver momentos assim como a despedida de uma pessoa querida do nosso meio. Somos humanos e condicionados ao físico, ao corporal. Sofremos a ausência física de alguém com quem convivemos, nos alegramos e choramos.

Ainda mais para quem cresceu junto, brincou na infância, andava todos os dias os três quilômetros que nos separavam da escola primária, o casamento dela e o meu sacerdócio, nunca no separamos. Embora discordássemos em muitas coisas, vivíamos a amizade e a união que a mesma família de sangue nos proporcionou.

Diz a doutrina cristã que, no paraíso, todos os nossos entes queridos estão plenamente felizes. De fato, a liturgia reza aquele lugar como “sem lágrimas, sem luto, até sem sofrimento”. Não há o que ser questionado até aqui. Eles estão, de fato, felizes. Imagino sempre minha irmã, aqueles que se foram, todos, estão felizes. Lógico, só se algum teve a desgraça de cair no lugar dos condenados, o inferno,  porque na terra já haviam escolhido viverem separados de Deus, no caminho do desamor, do mal e do pecado. Mesmo assim, preferimos confiar na misericórdia de Deus e nas nossas orações fervorosas pela sua libertação total. Embora, nesse sentido, esbarramos numa liberdade pessoal de alguém que, já aqui na terra, eventualmente, fez uma opção de viver longe de Deus e dos seus caminhos, desperdiçando, dessa forma, o tempo da graça. Esse julgamento realmente pertence somente ao Deus, Pai misericordioso, mas também juiz da nossa vida e dos nossos atos.

Quero aqui, no entanto, ressaltar a comunhão que continua a existir entre os que partiram deste mundo e nós, que ainda aqui permanecemos. Eles, de lá, não estão alheios às nossas lutas e sofrimentos, às nossas alegrias e conquistas, como nós, os terrenos, não nos separamos definitivamente deles. Santa Terezinha expressa essa realidade dizendo: “Passarei o meu céu fazendo o bem na terra”. Isso faz imaginá-la como  uma pessoa que, tendo vivido 24 anos de existência terrestre, conheceu a realidade do mundo, do mal e do pecado. E sabe que a luta pela vitória do bem continua.

É esta uma tensão que, sem dúvida, perpassa os santos, o céu. São Paulo compara a Igreja a um corpo, do qual todos somos membros. Os que chegaram ao céu são os irmãos triunfantes, vitoriosos. Os que estão no purgatório, os membros do corpo de Cristo, da Igreja, que padecem, sofrem a purificação, em vista da visão de Deus. Membros da Igreja militante somos todos os que vivemos ainda no corpo, nos conflitos e desafios deste mundo presente.

E é lógica a consequência desafiadora que o Apóstolo Paulo deduz: “Se um membro sofre, todos sofrem junto” (1Cor 12,19).

Assim, mesmo no céu, podemos dizer que as pessoas vivem a tensão, a torcida, para o bem. Assim, diminui a sua felicidade quando percebem que nossas escolhas não correspondem à vontade de Deus. Diminui a sua felicidade quando percebem que o egoísmo marca os nossos comportamentos. O egoísmo é próprio daqueles e daquelas que, em lugar de escolherem a Deus neste mundo, escolheram a si mesmos, seus critérios, suas medidas, seus pensamentos. E já dizia o Profeta Isaías: “Os meus pensamentos não são os vossos pensamentos  (Is 55,8)!

Conclusão: O amor é a melhor oração que podemos oferecer àqueles que partiram, pela morte corporal, do nosso meio. Desejamos do fundo do nosso coração que eles sejam plenamente felizes? Amemos, então, a Deus, ao próximo, a nós mesmos, a criação de Deus (fraternidade cósmica, de que falam os teólogos). Pois no próprio Pai Nosso, a oração que nos ensinou o próprio Cristo, dizemos: “Assim na terra como no céu”.

Não podemos nos acomodar colocando eles lá, no paraíso, felizes, “num bom lugar” e, por outro lado, descomprometer-nos com seus sonhos, ensinamentos, exemplos de vida, especialmente quando foram iluminados pela luz de Cristo e do seu Evangelho. Assim, condicionamos, sim, a felicidade deles, com nosso sim ou nosso não a Deus, aqui na terra.

Às almas dos fiéis defuntos, pela misericórdia de Deus, descansem em paz! Amém!

Na sua primeira carta aos Coríntios (1Cor 15, 28), Paulo alude a um momento esperançoso, penso que também histórico, conforme o plano de Deus : “E, quando todas as coisas lhe estiverem sujeitas, então também o mesmo Filho se sujeitará àquele que todas as coisas lhe sujeitou, para que Deus seja tudo em todos”.

Texto: Pe. Raul Kestring – 05/02/2015

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