A rua se encheu de amor e luz

Era domingo de manhã. Dia amanhecido com densa neblina. Depois, breves aberturas de sol. Da janela da minha casa observei uma cena significativa. Pelo menos para mim, naquele momento. E naquele cenário: uma encosta de morro que, não esqueço, na catástrofe de 2008 em Blumenau e região, sobraram casas destelhadas e semidestruídas. Que, não esqueço, as ruas daquele morro amanheceram entulhadas de barro e troncos de árvores arrastados pela correnteza das águas, volumosas e velozes descendo.

Bem naquela rua marcada pela destruição e pela modéstia das moradias circunstantes, reconhecia-se aparentemente um avô caminhando, subindo, com certeza, para casa, de mãos dadas com seu netinho.

Além de um gatinho que se via um pouco mais abaixo, eles eram os seres vivos que, de certa forma, enchiam a rua. Enchiam, sim. Aquele espaço ficou todo iluminado pelo gesto de simplicidade, paciência, carinho, amor. O pequeno felino, ali, naquela hora, fazia surgir, pelo menos, inquietantes perguntas ao observador.

Fez-me lembrar as famílias, com tantas cenas, às vezes até no seu interior, dentro delas, semelhante atitude a do avô e seu netinho, manifesta-se tão fraca, quase inexistente. Reinam infelizmente a indiferença, o desamor, quando não a vingança e mesmo a morte.

Fez-me sonhar com a reconciliação entre as gerações. Que ânimo e alegria causa na gente ver o abraço, a escuta, a comunicação, a cumplicidade entre pais e filhos, entre filhas e pais, entre avós e netos, entre netas e avós.

Sonhos e realidades que nos remetem ao passado. Como canta o Pe. Zezinho: “Das muitas coisas – Do meu tempo de criança
Guardo vivo na lembrança – O aconchego de meu lar”.

Aquele avô e aquele neto aconchegados, mãos dadas, no compasso do pequenino, talvez silenciosos, olhares atentos ao redor, despreocupados, curtindo o momento pleno de vida.

Senhor, nosso Deus e Pai amado, agradeço-te imensamente pela família que me deste. Nela vivenciei, desde que me reconheci como gente, o carinho, a atenção, o puxão de orelha às vezes também. Mas levo pela vida afora essa experiência de aconchego com meu pai e minha mãe. Levo pela vida afora os momentos difíceis que atravessamos. Dias mais difíceis no relacionamento, quem não os teve, Senhor? Momentos em que a coragem parecia enfraquecer e o desânimo ia ganhando espaço. No entanto, a força da fé através da oração, isso só agora, mais de meio século depois, reconheço devidamente sua importância, seu alcance vital. Obrigado, Senhor pelas idas constantes à tua Casa. De carroça ou de pé; ou ainda no lombo de um cavalo, lá se ia feliz. “Que alegria quando me disseram: ‘Vamos à Casa do Senhor'” (Sl 121,1)! – reza o salmista. Rezávamos nós, meus irmãos, meus pais e eu com o coração.

Senhor, que todas as famílias, embora imperfeitas, todas, tenham a graça de experimentar um pouco  do humano-divino dom que nela depositaste. Assim o quiseste ao cria-la! Querido Pai, que nossas ruas, nossos morros, cidades, sejam iluminadas por cenas de luz, de esperança e alegria de viver! Amém!

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