Há um ano, mais ou menos, meu pai Gregório dá sinais de estar próximo de partir deste mundo para a eternidade. Por diversas vezes os próprios médicos alertavam a família a que se preparasse para essa passagem. E nós o fizemos. Pouco depois, o homem recebia alta do hospital e volta à sua vida quase normal. Vida de nonagenário, com duas bengalas, andar muito lento, cada vez mais lento.Ultimamente, restrito ao leito hospitalar no apartamento onde reside com minha mãe, 84, em Blumenau.
Faz pouco mais de um ano, vivíamos um momento que parecia decisivo. Acometido de uma infecção, de repente os exames mostraram seu alastramento por todos o organismo. Normalmente, esse quadro de saúde, uma pessoa com ele não tem condições de reversão. Convidamos Dom José Negri, então bispo diocesano de Blumenau, para que o visitasse e lhe administrasse o sacramento da Unção dos Enfermos, ao que fomos atendidos prontamente. Meu pai, com grande fé e bastante consciente de que poderia estar terminando sua vida terrena, rodeado por alguns membros da família, inclusive minha mãe, colocou-se de mãos postas sobre o leito e foi ungido pelas mãos do bispo. Um ou dois dias depois, recebia alta. Embora com as limitações da idade, aparentava estar melhor do que antes, mais disposto, alimentando-se bem e interagindo de forma comunicativa, alegre, continuando a cantar, jogar dominó, passear com a família,frequentar a Igreja.
Quatro internações ele teve e o fato se repetiu: recebida a Unção, levanta-se. Lembra a Palavra de Paulo: “O justo vive da fé” (Hb 10,38).
Especialmente o canto, popular ou religioso, foi sempre seu lazer preferido. Bela voz, sabendo de cor as letras de muitos cantos, às vezes, ao ritmo dos acordes do violão do meu irmão Silvestre, passava horas inteiras entretendo-se com Luar do Sertão, Menino da Porteira, Cabocla Teresa, Passeio de Férias, No Mar Profundo, Nome Dulcíssimo, Neste Dia, Nós vos Saudamos, Eis Meu Coração, Senhor Meu Deus… Ele sabia todas as estrofes de cor!
Dos tempos em que seu irmão Tio Henrique frequentava o seminário, ele apreendeu quase todas as músicas de “Arrebol”, coletânea de cantos populares e religiosos lá compilada pelos próprios candidatos ao sacerdócio, incentivados por seus superiores.
Durante as férias, sua alegria era visitar os seus irmãos e irmãs, vizinhos, os nossos avós, para cantar. Às vezes, saía um belo hino coral a três vozes! Ficaram muitas saudades desses tempos em todos nós, da família!
Esse espírito lúdico e religioso, agora, conforta muito o cantor que se vai indo! São poesia, oração, bonitas melodias que enchem a alma, fazem sonhar, despertar a imaginação positiva, aquelas inspirações próprias de corações sensíveis a multicoloridos toques artísticos!
Assim meu pai vive, nesses dias, acredito, seus derradeiros momentos de lucidez e semi-lucidez. Nesse embalo, nesses sonhos, nessas dúvidas e temores também. Mas seu semblante se ilumina quando começamos a cantar, rezar, recordar os belos momentos vividos em família, em festa!
Marcante foi a segunda-feira, dia 11 de julho. Reunimo-nos todos os irmãos e irmãs, nove. Contamos também com os dois que já estão na eternidade, Maximino e Mônica, 11 então. Ao redor do seu leito, não faltou a observação de que era a despedida. Mesmo que estivéssemos muito certos de que a palavra despedida não cabia bem. Como reza o Prefácio dos Fiéis Defuntos I: “Senhor, para os que creem em vós a vida não é tirada, mas transformada”. Ali, juntos, parecíamos tocar essa realidade da nossa fé da nossa fé cristã, católica. Na serenidade, sem pressa, cantamos Eu Confio em Nosso Senhor, rezamos o Terço do Rosário. O pai, mesmo com sua pronúncia comprometida pela limitação das funções pulmonares, cardíacas, ele recitou todos os cinco Mistérios Gloriosos e acompanhou visivelmente e vocalmente, as orações e os cantos. Havia um clima de paraíso. Dava a impressão que vivíamos um instante de eternidade, em Deus! Minha mãe, sentada ao lado da cama, tudo acompanhava confortada. Graciosamente confortada!
Ao final, pedimos que ele levantasse suas mãos e nos abençoasse. Ele o fez devagar e com solenidade. Convidei minha mãe a também levantar as mãos sobre nós, enquanto pronunciei as palavras da bênção: “O Senhor esteja ao teu lado para te acompanhar, atrás de ti para te proteger, adiante de ti para te guiar, abaixo de ti para te sustentar, dentro de ti para te conservar, acima de ti para te abençoar, em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo! Amém!”
Nosso canto de despedida daquela hora foi o Lenta e Calma Sobre a Terra. É esta calma, paz, serenidade, união de corações, adoração, oração pelos pais, união com Jesus que desejamos continuar a viver. Pois dessa forma, como diz o Apóstolo Paulo: “.Se com ele morremos, com Ele viveremos; se com Ele sofremos, com Ele reinaremos” (2Tm 2,11-12).
Eis a letra do hino Lenta e Calma|:
1. Lenta e calma sobre a terra
Desce a noite, foge a luz.
/: Quero agora despedir-me:
Boa noite, meu Jesus :\!
2. Em silêncio no sacrário,
Rósea chama tremeluz;
/: E suave cantam anjos:
Boa noite, meu Jesus:\!
3. Ó Senhor, dai-nos a bênção!
E do mal que nos seduz
/: A meu pais e a mim guardai-me:
Boa noite, meu Jesus :\!
4. A teus pés, ó Virgem Pura,
Peço a bênção maternal!
/: Boa noite, Mãe querida!
Boa noite, meu Jesus :\!