Ele gritava:
– Fujam todos! A ilha será inundada.
Todos correram e pegaram os seus barquinhos para irem a um morro mais alto. Só o Amor não se apressou, queria ficar mais um pouco em sua ilha. Quando já estava quase se afogando, correu para pedir ajuda. Estava passando a Riqueza, e o Amor disse:
– Riqueza, leve-me com você.
Ela respondeu: – Não posso, meu barco está cheio de ouro e prata e você não vai caber.
Passou então a Vaidade, e o Amor pediu:
– Oh, Vaidade, me leve com você!
A Vaidade respondeu:
– Não posso, você vai sujar o meu barco! -. Logo atrás vinha a Tristeza.
– Tristeza, posso ir com você?
– Ah!…Amor, estou tão triste que prefiro ir sozinha.
Passou também a Alegria, mas estava tão alegre que nem ouviu o Amor chamar por ela. Já desesperado, achando que ia ficar só, o Amor começou a chorar. Passou então um barquinho, onde estava um velhinho que gritou:
– Sobe, Amor, que eu te levo!
O Amor ficou tão radiante de felicidade, que até se esqueceu de perguntar o nome do velhinho. Chegando ao morro onde estavam os sentimentos, o Amor perguntou à Sabedoria:
– Quem era o velhinho que me trouxe?
– O Tempo – respondeu a Sabedoria.
– O Tempo?! – continuou o Amor – Mas por que só o Tempo me trouxe aqui?
– A Sabedoria finalizou: – Porque só o Tempo é capaz de ajudar a entender um grande Amor!
A moral da historinha é muito simples. Se é verdade que o tempo cura todas as feridas, porque nos faz esquecer coisas e pessoas, ou, ao menos, as afasta cada vez mais de nós, é também verdade que o tempo valoriza o amor. Amor passageiro é amor fraco. Talvez até de mentira, de fazer de conta. Veio, mas foi embora logo. Nada ou quase ficou. O amor verdadeiro desafia o tempo, não enfraquece, não desiste, não decepciona. Com certeza muda com o passar do tempo, mas nunca deixa de ser o que é: um grande amor.
Chegando ao final do ano, todos olhamos um pouco para trás. O tempo passou para todos e com a mesma rapidez. Para alguns, muito atarefados, voou; para outros, menos afobados, demorou a passar. Para os cansados da rotina, foi insuportável; para os curiosos, sempre atrás de novidade, não foi suficiente. Para todos reservou surpresas: horas alegres e horas tristes; horas de tédio e horas de ansiedade; horas de ânimo e horas de desânimo. Para todos foi um desafio: continuar a amar e a fazer o bem. Com certeza fomos tentados a desistir de amar, de ajudar os outros, de dar atenção a quem depois, talvez, falará mal de nós.
Por isso um grande amor somente será reconhecido pelo tempo. Porque é ao longo do tempo que sobrevêm as tempestades da vida. A casa construída sobre a areia cai, mas a casa construída sobre a pedra resiste a ventos e procelas. Também os acontecimentos do ano velho, alegres ou tristes, já passaram e não voltam mais. O amor de circunstância ou de oportunidade se dissolveu. O amor verdadeiro não: sofreu, apanhou, chorou, mas não desistiu de amar aqueles com quem se comprometeu. Assim, no final do ano velho, cada um de nós pode fazer o balanço de quanto procurou amar, de quanto perdeu a chance de amar e de quanto amor, talvez, desprezou. Se tiver “sobras” de amor, fique feliz: valeu!
Começando o ano novo, temos uma nova oportunidade de tempo de vida. Como será? Saberemos usá-lo para amar e ser amados mais? Nestes dias, penso sobretudo nas nossas famílias. Quantas iniciaram e já acabaram ao longo do ano que passou. Outras deixaram para depois e terão que decidir se mudar para continuar a acreditar no amor ou se, de vez, jogarão tudo fora. Penso também em tantas pessoas doentes, acamadas ou no fundo de uma rede, dependendo das mãos e dos cuidados dos outros. Elas, às vezes, dão muito trabalho, mas nos amam também porque, sem dizer nada, lembram-nos a fragilidade e as limitações da nossa vida. A paciência delas é uma lição viva, que joga água fria sobre o fogo do orgulho e das ilusões de quem se acha imortal e poderoso.
No início do novo ano, façamos planos, mas que sejam projetos de amor. Não simplesmente de egoísmo, de autoafirmação e de sucesso pessoal. O tempo da vida nos é dado para construir e semear o amor. Todo tempo é bom e serve para isso. Minutos, horas, dias e anos… Se só o tempo revela um grande amor, é verdade também que um verdadeiro amor desafia o tempo, nunca morre, porque é dom de Deus, é um pouco dEle mesmo.
Dom Pedro José Conti
Bispo de Macapá – AP